Lula segue dando aulas e se confirmando como um ponto fora da curva, positivo, na política contemporânea. O que lembra a necessidade da multiplicação, urgente, do número de lideranças capazes de enfrentar os desafios contemporâneos com a grandeza e a criatividade exigidas. Ao declarar, no sábado, em ato preparatório ao G-20, que “não é necessário ofender ou xingar ninguém”, o velho torneiro-mecânico reafirmou-se como estadista atento às fragilidades em seu entorno.
CAUTELA E BOA PONTARIA
Poucas horas antes do presidente brasileiro falar isso, a primeira-dama havia detonado o multibilionário Elon do X com um sonoro “fuck you”, conforme reverberado pela mídia em êxtase. Um frisson eletrizou as extremas. No canto direito, vibrou-se com o que teria sido uma motivação para a sonhada invasão dos marines ao Brasil para colocar os patriotários no poder; no canto esquerdo festejou-se um brado heroico e retumbante capaz de intimidar o imperialismo ianque. Duas sensações estúpidas. Nada muda em relação às tensões com os Estados Unidos, e o dono do X ficou feliz por ser lembrado. Foi, sim, um desserviço à diplomacia brasileira – mas Luiz Inácio, sem perda de tempo, deu um freio de arrumação e saiu-se bem naquela pista escorregadia. Tudo que a conjuntura mundial não precisa neste momento explosivo é de mais diatribes verbais. É hora do velho e útil pragmatismo diplomático, mais sagaz e menos loquaz, sem arroubos infantis.
DIPLOMACIA PRAGMÁTICA
Ressalte-se ser o G-20 um campo da diplomacia pura, como numa roda de capoeira pra turista ver, sem rasteiras nem rabos-de-arraia reais. É um fórum para acordos políticos globais quase nunca factíveis, mas balizadores para os grupos formadores de opinião mundo afora. Nesta reunião de final de ano, no Rio de Janeiro, o papel de elefante na loja de cristais está reservado para figuras como Milei, o milongueiro portenho, e ninguém deve concorrer a tal posto, a não ser Trump, a partir do próximo ano. O foco brasileiro deve continuar a ser a pauta de valores universais e humanistas que nosso país tem defendido há muito tempo, desde antes de 1999, quando da formação do grupo (à exceção do quadriênio perdido, a quadra da vergonha, entre 2019 e 2022). O Brasil precisa seguir como referência política internacional para posicionamentos pela paz, em defesa do meio-ambiente, contra a fome, pela educação, contra todo tipo de discriminação etc.
TRUMP, MUSK & CIA.
Trump e Musk são o homem-morcego e o menino-prodígio da vez. Venceram a eleição para a batcaverna branca em 2024 tão-somente minando os adversários, sem acrescer nada de significativo aos votos obtidos nas eleições anteriores, mas conseguindo afastar das urnas uma parcela do eleitorado do Partido Democrata. Entender o peso da dispersão eleitoral e do papel de polêmicas secundárias, desnecessárias, no fracionamento das forças democráticas é uma lição importante vinda da recente campanha estadunidense. Cá entre nós, no Brasil, já temos fissuras e incompreensões em demasia face a desafios reais na economia e na grande política, temos um descompasso partidário perigoso entre governo federal e congresso nacional. Colocar a bola na marca do pênalti para Musk e Trump é tudo que as forças democráticas não precisam hoje e nem nos próximos quatro anos. Os marines não vão invadir o Brasil por um “fuck you” a mais, mas tropas mercenárias aquarteladas no X, e noutros meios semelhantes, saberão usar todo tipo de escorregada oficial, ou semioficial, para alargar as rachaduras na base progressista brasileira.