Viva o Dia Nacional da Consciência Negra! A data é uma das maiores conquistas do Movimento Negro e de todas as pessoas que defendem uma sociedade mais justa, sem discriminação, e que valorize sua própria história. Esse sentimento afirmativo, combativo, orientou a militância pioneira vinda de vários pontos do Brasil para subir à Serra da Barriga – sem nenhuma infraestrutura ou tradição anterior – a partir de 1979.
Muita coisa mudou nesses 45 anos de luta. Sim, a luta nunca cessou, nem cessará, apenas mudaram as conjunturas e acrescentaram-se vitórias, sempre duramente conquistadas, neste caminho de subida da serra. Um dos desafios, ausente quando das primeiras iniciativas de palmilhar as trilhas mato adentro até o cume do outeiro do Barriga, é harmonizar as políticas afirmativas, combativas e de luta, com os interesses (legítimos e indispensáveis na geração de emprego e renda) do turismo – o que exige planejamento e ações integradas para uma agenda para além de um único dia. Boas experiências têm sido feitas, mas ir além delas é a missão.
Dentre as realizações relevantes se destacam a construção do espaço memorial, cênico e perene, no alto da serra, projeto executado no governo Ronaldo Lessa, e a pavimentação dos trechos de acesso ao platô, realizada durante o governo Renan Filho; ambas as obras seguindo as determinações do IPHAN, pois o perímetro é tombado desde 1986 como Patrimônio Histórico Nacional. O tombamento nacional é a grande conquista nestas décadas de batalhas pelo reconhecimento da epopeia do Quilombo dos Palmares e, no particular, do sítio histórico da Cerca Real dos Macacos, lugar considerado, desde o final do século XVII, como a capital da comunidade rebelada contra a escravidão em boa parte do Nordeste colonial. Reconhecimento oficial e infraestrutura são os dois pilares sobre os quais todos os tipos de projetos podem ser pensados e construídos.
Cravados esses dois pilares, resta a imperiosidade de ter-se bons, e dinâmicos, projetos para – mantendo os conteúdos históricos, sociológicos, étnicos do Outeiro do Barriga em sua afro-ancestralidade – garantir uma agenda permanente, anual, de visitações ao núcleo central do Quilombo dos Palmares. E essa política precisa ter como base o público alagoano, em primeiro lugar, começando pela multiplicação das visitas guiadas das escolas (públicas e privadas). Essa base para o receptivo à visitação nativa deve a mesma para o bom atendimento às demandas de quem vem das lonjuras. Não nos esqueçamos de retomar, com gosto de gás, o roteiro internacional. As experiências do passado recente ainda estão vívidas o suficiente para ensinar os pontos positivos e negativos dessas formas internacionalistas.
Espalhadas nas curvaturas do espaço-tempo, estão latentes as rotas mais atrativas para o turismo globalizado. Durante alguns anos, levas afro-americanas subiam a Serra da Barriga vindas de Salvador, como extensão da via aberta pela sempre ousada baianidade para o rentável turismo étnico da classe média norte-americana (com e sem escalas no Rio de Janeiro) – nunca mais tive notícia desse roteiro. E as embaixadas dos países africanos? Nunca mais soube da presença dos corpos diplomáticos da África Negra na Serra (o Senegal, por exemplo, era visitante usual). E alguém aí, no leitorado desta coluna, se lembra da emocionante apresentação do Balé de Angola em União dos Palmares, durante as solenidades de 1995? E dos Los Monequitos, de Cuba?
Apois complementam-se, e não se conflitam, os vetores da militância e do turismo (étnico, histórico, religioso, ambiental). O potencial da Serra da Barriga só faz crescer. Vamos, portanto, subir mais a Serra. Em nome de todas as pessoas que, desde 1979, transformaram o perfil público do Outeiro do Barriga, presto meu modesto tributo ao saudoso Abdias Nascimento (cujas cinzas repousam na Serra). Avante!