Sangue raro: saiba como é a vida de pessoas que fogem do padrão ABO

Denise Lima Valadão, 41 anos, faz transfusões de sangue frequentes para tratar a anemia falciforme. Apenas seis doadores são compatíveis.

A bancária Denise Lima Valadão, 41 anos, foi diagnosticada com anemia falciforme aos 8 meses de idade. Ela precisou conciliar a rotina profissional, a de dona de casa e de mãe de três filhos com transfusões constantes para se manter saudável e aliviar as dores e fadiga crônica que sente frequentemente. Mas a brasiliense enfrenta um desafio a mais: ela tem o que a ciência chama de sangue raro, ou seja, há um número muito limitado de doadores que podem ceder o sangue para ela.

Quatro décadas de transfusões constantes, com bolsas de sangue de diferentes doadores – a maioria delas realizada em um tempo em que os testes para análise do tipo sanguíneo eram pouco desenvolvidos – fizeram com que a estrutura sanguínea de Denise fosse modificada. Hoje, para seguir com o tratamento que faz a cada 20 dias, ela conta com a disponibilidade de apenas seis doadores em todo o país.

“AO LONGO DOS ANOS, COM AS TRANSFUSÕES, EU ADQUIRI TRÊS FENÓTIPOS RAROS: ANTI S, ANTI C E ANTI D. EU SÓ POSSO RECEBER SANGUE COM O FENÓTIPO IGUALZINHO AO MEU, OU CORRO RISCO DE ADQUIRIR MAIS UM ANTICORPO E OS MEUS DOADORES SE TORNAREM AINDA MAIS RAROS”, EXPLICA.

Para cada mil brasileiros, apenas 14 são doadores regulares de sangue no Brasil. O número diminui ainda mais quando se faz um recorte das pessoas com sangue raro dispostas a se voluntariar para fazer doações para pacientes como Denise, com doença falciforme, ou que estejam em quimioterapia, tenham sido submetidos a transplantes ou que sofreram um acidente grave e precisam de transfusão, por exemplo.

O Cadastro Nacional de Sangue Raro, vinculado ao Ministério da Saúde, conta com 1.309 doadores — apenas 18 deles estão registrados na Fundação Hemocentro de Brasília (FHB).

Sangue raro

O sistema ABO é o mais importante das classificações do sangue. Ele divide os tipos sanguíneos em quatro, de acordo com a presença ou ausência de antígenos eritrocitários A e B – proteínas específicas na superfície dos glóbulos vermelhos –, podendo ser A, B, AB e O. Esses tipos sanguíneos podem ter Rh positivo ou negativo. Mas existem ainda outros sistemas de grupos sanguíneos com diferentes antígenos eritrocitários.

Quando o indivíduo não tem um antígeno de alta prevalência na população, ou tem a associação de negatividade de vários grupos, surge o sangue raro. A Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (ISBT) o classifica como aquele que aparece em uma pessoa para cada mil testadas com o exame de tipagem sanguínea, também chamado de fenotipagem eritrocitária.

O teste é mais complexo do que o regular, usado para identificar os grandes grupos sanguíneos após a doação geral nos hemocentros. No Distrito Federal, ele é feito pela equipe do Laboratório de Imunohematologia do Hemocentro com amostras de sangue selecionadas de uma parcela de doadores habituais.

“Isso é importante sobretudo para os pacientes com doença falciforme, que têm uma probabilidade maior de desenvolver imunidade contra o sangue e, por isso, recebem esse sangue mais específico”, explica a médica Franciele Moraes Amaral Coury, hematologista e hemoterapeuta da FHB.

Doador raro

Na outra ponta dessa história está Rilma Pereira da Silva, 35 anos. A professora doa sangue desde 2008. De lá para cá, ela já fez 26 doações e influenciou o noivo a ser um voluntário também. Mas foi apenas há dois anos que descobriu ter um tipo de sangue raro.

Ela foi surpreendida com uma ligação do hemocentro do DF em dezembro

de 2020 pedindo que se apresentasse para fazer uma doação imediata a um paciente de outro estado com o mesmo tipo sanguíneo. Rilma foi convocada outras duas vezes em 2021.

“ACHO QUE TODO MUNDO TEM UMA MISSÃO. EU NÃO POSSO AJUDAR OUTRAS PESSOAS COM DINHEIRO OU TRABALHO VOLUNTÁRIO, MAS O MEU SANGUE ESTÁ AQUI, CIRCULANDO. É UM SENTIMENTO BOM PENSAR QUE COM A DOAÇÃO DE UMA BOLSA DE 450ML EU CONSIGO AJUDAR ATÉ QUATRO PESSOAS IMEDIATAMENTE”, CONTA RILMA.

Pessoas catalogadas como doadoras de sangue raro são orientadas a ter um cuidado extra com a saúde para estarem prontas e atender um chamado a qualquer momento. Elas devem evitar fazer tatuagens ou doar sangue frequentemente, uma vez que o intervalo entre as doações deve ser de dois meses para os homens (máximo de quatro doações por ano) e três meses para mulheres (máximo de três doações no ano).

“Todo tipo de sangue é muito importante e bem-vindo. Pedimos que as pessoas façam doações com frequência para mantermos os estoques. Quando um doador é identificado como raro, ele deve ter consciência de que é muito especial e entender a importância de vir quando for convidado. Se ele doa e no mês seguinte um paciente precisa de socorro, o voluntário não poderá doar novamente”, disse Franciele.

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