Alagoas e Sapucaí: uma longa história

No domingo, 11, a Escola de Samba Beija-Flor leva um tema alagoano para a Avenida Marquês de Sapucaí. E não é que o mineiro Cândido Viana, Marquês de Sapucaí, governou Alagoas no biênio 1828/1829? Pois o Sambódromo (construído naquela artéria por Leonel Brizola) verá, entre os desfilantes neste ano, um pouco da história de Ras Gonguila, um dos muitos personagens do carnaval de Maceió.

Não é a primeira vez, e nem será a derradeira, que uma escola de samba carioca escolhe para enredo gente e/ou tema das Alagoas. Mas este ano tem umas pedras no caminho: o alto valor do pagamento e a evidente motivação eleitoreira desse patrocínio.

REFERÊNCIA NACIONAL

Dos três principais polos carnavalescos brasileiros (Recife/Olinda, Salvador e Rio de Janeiro), o carioca é o que mais se projeta em termos de mídia, pois o modelo dos desfiles das Escolas de Samba, desde os primórdios, foi concebido como espetáculo, algo para ser visto e não para ser “brincado” como nas demais formatações foliãs (blocos, troças e apresentações de rua, bailes de clubes…).

Com um tema específico orientando cada agremiação, o espetáculo das escolas de samba se destacou midiaticamente em relação às demais manifestações carnavalescas, criou o seu modelo de negócios e passou a oferecer disputadas (e mais caras a cada ano) opções de marketing. E o Rio é Rei nesse quesito.

APOTEOSE DE JORGE

Em 1975, época mais romântica e menos comercial, a Estação Primeira de Mangueira brilhou com “Imagens Poéticas de Jorge de Lima”, cujo samba – originalmente na voz de Jamelão – virou um clássico: “Na epopeia triunfal / que a literatura conquistou / em síntese de um sonho / de um poeta tão risonho / assim se consagrou / Ô ô ô ô ô / Essa é a Nêga Fulô/ uma obra fascinante/ de um poeta tão brilhante / o povo admirou”.

Tolito, Mozart e Delson (compositores) foram às raízes: “Jorge de Lima em Alagoas nasceu/ Ouviu tudo dos antigos / O que aconteceu / Com os escravos na senzala / E no Quilombo dos Palmares / Foi um sábio que seguiu as tradições / Com seus versos, poemas e canções / Boneca de pano é joia rara / Calabar e o acendedor de lampiões”. Qualidade sem comercial envolvido, nem marketing eleitoral.

ZUMBI SAMBANDO MARACATU

Zumbi dos Palmares, vira e mexe e volta à avenida. Merece. Mas rolou tensão (nos bastidores) em 1996, quando a Unidos da Tijuca foi de “Ganga Zumbi, Expressão de Uma Raça” e representantes da diretoria desentenderam-se com o governo alagoano – que não teve como corresponder às demandas pecuniárias por conta da crise daqueles tempos. Chateações à parte, o samba-enredo conservou a referência alagoana em “Vem amor, ô, ô / Soltar seu canto livre pelo ar / Alagoas é o berço/ Deste mito que viemos exaltar”.

Em 2003, foi a vez da Caprichosos de Pilares com “Zumbi, Rei de Palmares e Herói do Brasil. A história que não foi contada”, mas a letra do samba nem citou Alagoas – talvez por não ter contado com o adjutório desejado.

MAJESTOSO CARTOLA

Há 76 anos, tempo com investimentos externos a zero, no samba-enredo “Vale do São Francisco”, tema da Mangueira em 1948, Cartola fez um afago grátis: “O vale do rio / em noite invernosa / em noite de estio / como um chão de prata / riquezas estranhas / espraiando belezas / por entre montanhas / que ficam e que passam / em terras tão boas / Pernambuco, Sergipe, / Majestosa Alagoas”.

Enfim, é momento de desejar boa sorte à memória de Ras Gonguila. Ele merece. Mas, infelizmente, nos dias em curso, a majestade está só por conta do exorbitante financiamento e não, como teria sido um dia, pelos méritos do tema e seu samba-enredo.

Ouça os sambas-enredo citados:
Imagens Poéticas de Jorge de Lima – https://www.youtube.com/watch?v=WmDvzIOBdvk
Vale do São Francisco – https://www.youtube.com/watch?v=x93RqSv3T7w
Ganga Zumbi – https://www.youtube.com/watch?v=luWV1T4BWzo
Zumbi, Rei de Palmares – https://www.youtube.com/watch?v=MIsgauH4Px0

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