O ano de 2015 ficará marcado como aquele em que a Operação Lava Jato colocou na cadeia não apenas alguns dos maiores empresários do país, como também políticos – com e sem mandato. Fase a fase, fica cada vez mais claro que, apesar das tentativas, as investigações em curso não serão detidas por acordos de bastidor, conchavos entre poderosos e juízes ou artimanhas processuais que fomentaram a tradição brasileira de impunidade. Responsável por revelar ao país o petrolão, a força-tarefa da Lava Jato chegou em 2015 aos tentáculos do esquema criminoso no setor elétrico, em ministérios e em autarquias do Poder Executivo. Ministros do governo, ex-ministros, o presidente da Câmara e aliados do Palácio do Planalto tiveram suas casas e escritórios revistados pela Polícia Federal, que vai fechando o cerco sobre os criadores e beneficiários do maior escândalo de corrupção da história da República. A seguir, entenda as principais fases e desdobramentos da operação neste ano. E relembre quem recebeu a temida visita do ‘japonês da Federal’.
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Prisão de Cerveró
Nem bem o ano começava e a Polícia Federal deflagrou, em 14 de janeiro, mais uma fase da Lava Jato, desta vez destinada a prender o ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Vindo de Londes, ele foi detido no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Dez meses depois, Cerveró fechou acordo de delção premiada com a Justiça.
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My Way
Em 5 de fevereiro, a Polícia Federal deflagra a nona fase da Lava-Jato, batizada de “My Way”, como a canção de Frank Sinatra. A ação mirou um grupo de onze operadores responsáveis pelo pagamento de propina na Petrobras. O grupo agia na Diretoria de Serviços, que era comandada por Renato Duque, cujo codinome nas planilhas de Pedro Barusco, ex-gerente de Serviços da estatal, era “My Way”. Duzentos agentes da PF cumpriram mandados de busca, prisão temporária e condução coercitiva em nove cidades de quatro Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Santa Catarina. O então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi alvo de mandados de busca e apreensão, condução coercitiva e prestou depoimento na sede da PF em São Paulo. O lobista Mário Góes foi preso.
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Duque na cadeia
Renato Duque, indicado por José Dirceu à Diretoria de Serviços da Petrobras. foi preso em 16 de março, na fase batizada “Que país é Esse”. O nome faz referência à frase dita por Duque na primeira vez em que foi preso, em novembro de 2014. A décima fase da Lava-Jato cumpriu dois mandados de prisão preventiva, quatro de prisão temporária e 12 de busca e apreensão. Além de Renato Duque, o outro mandado de prisão preventiva se destinou ao lobista Adir Assad.
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A vez dos políticos
Depois de empreiteiros, doleiros e ex-diretores da Petrobras, é chegada a hora das primeiras prisões de políticos na Lava-Jato, em 10 de abril. A 11ª etapa da operação, denominada “A Origem”, levou para a cadeia os ex-deputados federais André Vargas (PT-PR) e Luiz Argôlo (SD-BA), além de Pedro Corrêa (PP-PE), já condenado a sete anos e dois meses de prisão no mensalão. Cerca de 80 agentes da Polícia Federal cumpriram 32 mandados judiciais nos Estados de São Paulo, Paraná, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e no Distrito Federal. As investigações da operação recaíram, além da Petrobras, sobre contratos de publicidade da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Saúde.
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Mais um tesoureiro do PT atrás das grades
Com base em depoimentos de delatores, sobretudo Eduardo Leite, da Camargo Corrêa, e Augusto Mendonça, da Setal, a Polícia Federal prendeu preventivamente o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na 12ª fase da Operação Lava Jato. Além das delações, as quebras dos sigilos bancários da mulher, da filha e da cunhada do tesoureiro foram decisivas para a prisão de Vaccari. No pedido do Ministério Público Federal que o levou à carceragem da PF em Curitiba, foram apontados indícios de enriquecimento ilícito de familiares do petista.
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Preso o operador de Dirceu
21 de maio, o dia em que José Dirceu suou frio. Com a deflagração da 13ª etapa da Operação Lava Jato, na qual se cumpriram seis mandados judiciais, o lobista Milton Pascowitch, apontado pela força-tarefa da Lava Jato como um dos operadores de propina na Diretoria de Serviços na Petrobras, foi preso preventivamente. A delação premiada de Pascowitch, em que ele detalha como intermediava propinas a Dirceu, foi decisiva para a nova prisão do ex-ministro, menos de três meses depois.
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O príncipe da cadeia
Erga Omnes: vale para todos. Vale também para Marcelo Odebrecht, o príncipe dos empreiteiros. Depois de negar durante meses envolvimento nos escândalos apurados pela Lava Jato, o herdeiro da Construtora Norberto Odebrecht, foi preso em 19 de junho ao lado dos diretores Márcio Faria, Alexandrino Alencar e Rogério Araújo. A sede da construtora em São Paulo foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal. A Andrade Gutierrez, outra empreiteira ilesa até então, teve o presidente, Otávio Azevedo, e o executivo Flávio Lúcio Magalhães presos na Erga Omnes. A força-tarefa da Lava-Jato estima que as duas construtoras tenham pago, somadas 710 milhões de reais em propina.
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Políticos em pânico
Em 17 de julho a Operação Lava Jato chegou em cheio ao núcleo político de Brasília. Era a deflagração da Operação Politeia, que cumpriu mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Alagoas e Santa Catarina. Entre os alvos estavam o senador Fernando Collor de Mello, que teve carros de luxo apreendidos na notória Casa da Dinda, o ex-ministro da Integração e hoje senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), o também ex-ministro Mario Negromonte, o advogado Thiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz e parlamentares do Partido Progressista, como o senadore Ciro Nogueira (PP-PI), presidente nacional da sigla, o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) e o ex-deputado João Pizzolati (PP-SC). As buscas foram autorizadas por três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e deixaram políticos em estado de pânico.
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Preso o almirante
Em 28 de julho, a Polícia Federal deflagra nova fase da Lava Jato após confirmação de que o esquema do petrolão também atingiu o setor elétrico. Batizada de Radioatividade, a etapa da Lava Jato que escancarou o chamado eletrolão foi possível após o delator Dalton Avancini ter afirmado que havia pagamento de propinas também em obras como as da usina de Angra 3. Na época foram presos o presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, e o presidente da Unidade Negócios Energia da Andrade Gutierrez, Flavio Barra.
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Dirceu na cadeia (mais uma vez)
Depois de meses de investigação, a Polícia Federal prende no dia 3 de agosto o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, nove meses após ele deixar o presídio da Papuda para cumprir prisão domiciliar no mensalão. Na fase batizada de Pixuleco, em referência ao termo utilizado pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto para se referir a propinas, os policiais prenderam também o irmão de Dirceu, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, e o “faz-tudo” do petista Roberto “Bob” Marques. O cerco ao ex-todo-poderoso do governo Lula foi possível especialmente após a delação premiada do lobista Milton Pascowitch, que admitiu pagamentos de dinheiro sujo a Dirceu camuflados em contratos falsos de consultoria por meio da empresa JD Consultoria e Assessoria.
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Pixuleco 2
A Polícia Federal desvenda outro braço da Operação Lava Jato e, em 13 de agosto, deflagra a fase Pixuleco 2. Nela os investigadores chegam a um milionário de pagamento de propinas no Ministério do Planejamento, e prendem o ex-vereador petista Alexandre Romano, o Chambinho, político próximo da senadora petista Gleisi Hoffmann (PT-PR) e do ex-ministro Paulo Bernardo (PT). Segundo as investigações, o ex-vereador atuou na “intermediação fraudulenta” de repasses da empresa Consist Software para o ex-tesureiro do PT João Vaccari Neto – foram mais de 11 milhões de reais repassados pela Consist a empresas relacionadas ou indicadas por Romano.
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Cunha e Collor, os primeiros denunciados
Em 20 de agosto, o procurador-geral da República Rodrigo Janot apresenta denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e contra o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), os dois primeiros políticos contra os quais existem fortes indícios de participação no esquema de corrupção na Petrobras. Cunha foi denunciado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro após o lobista Julio Camargo ter afirmado, em acordo de delação premiada, que o peemedebista recebeu 5 milhões de dólares do propinoduto em um contrato de navios-sonda da Samsung Heavy Industries. No caso de Collor, as suspeitas são de corrupção e lavagem de dinheiro. O Ministério Público aponta o senador petebista como destinatário de 26 milhões de reais em propina em negócios relacionados à BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.
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Ninguém Dorme, avisa a PF
Em 21 de setembro, na fase batizada de Nessum Dorma (Ninguém Dorme, em português), a Polícia Federal prendeu o lobista e operador do PMDB João Augusto Rezende Henriques e um dos donos da construtora Engevix, o executivo José Antunes Sobrinho. A nova etapa de investigações chegou à conclusão de que a Engevix continuou a pagar propinas mesmo depois da prisão, ainda em 2014, do então vice-presidente da empresa Gerson de Mello Almada. A 19ª fase da Lava Jato decorre de apurações que envolveram o braço do petrolão no setor elétrico e que confirmaram que as empreiteiras Andrade Gutierrez e Engevix utilizaram empresas como intermediárias dos repasses de propina ao então presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva. No pagamento de dinheiro sujo, o MP diz que foram simulados principalmente contratos de prestação de serviços com a empresa Aratec Engenharia, Consultoria & Representações, de propriedade de Othon Luiz.
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STF fatia a Lava Jato
Em 23 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) toma a principal decisão sobre os rumos da Operação Lava Jato e decide fatiar as investigações, retirando das mãos do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, processos que não estejam diretamente ligados ao esquema de corrupção na Petrobras. A decisão foi motivada por um pedido envolvendo a fase Pixuleco II e pela argumentação de que o escândalo de propinas no Ministério do Planejamento não teria relação com os métodos de corrupção instalados na Petrobras. Com a decisão, o processo referente ao ex-vereador petista Alexandre Romano foi enviado de Curitiba para São Paulo e o inquérito da senadora Gleisi Hoffmann saiu das mãos do ministro Teori Zavascki, relator das ações do petrolão no STF.
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Conexão Pasadena
Com foco no esquema de pagamento de propinas envolvendo a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, a Polícia Federal cumpriu mandados em 16 de novembro em uma nova fase da Lava Jato, batizado de Corrosão. Foram o ex-gerente-executivo de Engenharia da Petrobras Roberto Gonçalves e o operador financeiro Nelson Martins Ribeiro. Ex-funcionários da estatal suspeitos de embolsar propina, como o ex-gerente de Inteligência da Área Internacional, Luís Carlos Moreira da Silva, ex-gerente executivo da Área Internacional e principal consultor do caso Pasadena, foram conduzidos coercitivamente para prestar depoimentos. Para procuradores da Lava Jato, a compra de Pasadena, por envolver propinas e irregularidades, poderia até ser anulada pela Petrobras, com ressarcimento dos prejuízos aos cofres públicos.
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O amigo de Lula
Em 24 de novembro, às vésperas de prestar depoimento na CPI do BNDES, na Câmara dos Deputados, o pecuarista José Carlos Bumlai foi preso pela Polícia Federal na 21ª fase da Operação Lava Jato. Amigo próximo do ex-presidente Lula, Bumlai foi citado pelo operador Fernando Baiano como destinatário de 2 milhões de reais desviados da Petrobras, valor que seria destinado ao final a uma nora do petista. Em depoimento à Polícia Federal depois de preso, o empresário acabou confessando que simulou um empréstimo de cerca de 12 milhões de reais para repassar os valores ao PT e detalhou que o dinheiro foi pedido pelo ex-tesoureiro da sigla Delúbio Soares, condenado no escândalo do mensalão.
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O líder de Dilma na cadeia
No dia 25 de novembro, de forma inédita e com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), a polícia prendeu o então líder do governo Dilma no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), por suspeitas de que o parlamentar estaria atuando para impedir as investigações da Operação Lava Jato e obstruir o acordo de delação premiada do ex-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Também foram presos o banqueiro André Esteves, controlado do BTG Pactual na época, Diogo Ferreira, chefe de gabinete do petista, e o advogado Edson Ribeiro. A Polícia Federal cumpriu mandados de busca no Congresso Nacional. As investigações deste desdobramento da Operação Lava Jato foram possíveis depois de gravações feitas por Bernardo Cerveró, filho de Nestor, terem demonstrado um plano de Delcídio para que o ex-dirigente não colaborasse com a Justiça.
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Até quando?
A Operação Lava Jato fechou o ano, em 15 de dezembro, com a apoteótica Operação Catilinárias, que promoveu uma devassa em endereços de caciques políticos de Brasília e realizou 52 buscas e apreensões em Alagoas, Ceará, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo e no Distrito Federal. Os policiais recolheram documentos na residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na casa do ex-ministro de Minas e Energia e senador Edison Lobão e em imóveis do ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, aliado do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). As buscas também pegaram em cheio os ministros peemedebistas Henrique Alves (Turismo) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia). O ministro Teori Zavascky, relator do escândalo do petrolão no Supremo, não autorizou o cumprimento de mandados na residência oficial do Senado, mas também foram recolhidos documentos na sede do PMDB de Alagoas, reduto de Renan Calheiros.
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PGR pede afastamento de Cunha
Às vésperas do recesso do Poder Judiciário, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, protocolou, no dia 16 de dezembro no Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O caso será julgado apenas a partir de fevereiro de 2016, mas para o chefe do Ministério Público Cunha deve ser retirado de seu mandato parlamentar e, consequentemente, da presidência da Câmara dos Deputados porque utiliza o posto eletivo para impedir investigações contra ele no petrolão e coagir testemunhas. O pedido de afastamento contou com provas recolhidas na Operação Catilinárias e é justificado para “garantir a ordem pública”, a regularidade das investigações e a atuação normal das investigações do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, órgão que analisa um pedido de cassação de Cunha.