NESTA SEMANA espocou uma polêmica tendo como mote a condenação, pela Justiça brasileira, de um cidadão que se apresenta como humorista profissional e tem um montão de seguidores nas redes. As penalidades aplicadas ao rapaz aqueceram a discussão sobre liberdade de expressão, e vários profissionais de respeito na área do humor se pronunciaram contra o posicionamento judicial, mesmo criticando o trabalho do apenado, aqui identificado como “LL”.
NO MESMO PERÍODO, foi condenado o influenciador Felipe Neto, por gesto julgado como abuso da liberdade de expressão. O blogueiro teve rejeitado recurso no qual reivindicava a anulação de veredicto anterior. A Justiça do Distrito Federal, num segundo julgamento, manteve a penalidade, multando-o em R$ 20 mil por ter chamado o deputado alagoano Arthur Lira, quando presidente da Câmara Federal, de “excrementíssimo”.
NÃO ME LEMBRO de ter lido alguma crítica à decisão judicial contra Felipe Neto exarada por alguém que tenha criticado a decisão judicial contra LL. Ouso achar, inclusive, a punição contra Felipe Neto, mais leve, com características mais danosas à liberdade de expressão que as penas, mais pesadas, aplicadas a LL, um especialista em “comédia stand up moralmente incorreta”. Enxergar como delito um mero neologismo escatológico, num contexto de crítica política a próceres no poder, acho eu, é mais pernicioso que entender como delituosa uma prática permanente de violentas agressões verbais (apresentadas como “piadas”) contra camadas vulneráveis e/ou vítimas de preconceito.
DIR-SE-Á QUE CARTUNISTAS célebres como Angeli, Laerte, Adão Iturrusgarai, não economizam nanquim em traços ousados sobre sexo, drogas, rock’n’roll, relações íntimas tidas como não recomendadas aos bons costumes, e construíram carreiras sólidas longe de punições do tipo. É verdade. Poder-se-á apontar para a obra de Jô Soares, Chico Anízio, Dercy Gonçalves, Costinha, Mussum… e ali identificar contumazes piadas, e personagens satíricas, passíveis de serem rotuladas como “politicamente incorretas”. É verdade. Mas nenhum desses profissionais jamais se engajou no combate preferencial, cruel, ininterrupto, a segmentos em situação de vulnerabilidade ou vítimas de preconceitos. Jamais recomendaram que pais deveriam violentar filhos, nem riram do sangue escorrendo do corpo da vereadora Marielle Franco. As taras abordadas pelo saudoso Glauco, com “Geraldão”, por exemplo, são exposições freudianas do mais alto nível. No espaço legítimo da liberdade de expressão, cabem – obviamente – piadas sobre a queda de Lula no banheiro, ou sobre a facada que elegeu Jair; ambos são personagens poderosos e seguem fazendo política intensamente. E, mesmo assim, não significa dizer que não existam limites na liberdade de espinafração.
MUITO VÁLIDO, SEMPRE, o debate sobre liberdade de expressão. Neste exato momento, o mundo se sacode com o arranca-rabo entre Trump e Musk, este começando a dedurar intimidades sexuais daquele. Até agora, pelo divulgado nas redes antissociais de ambos, nada feriu a liberdade de expressão. E se espera de ambos mais exposição pública dos podres de um contra o outro, ambos os têm demais, e a publicização dessa psicopatia americana terá efeito profilático o mundo. Falem tudo sobre as alcovas um do outro, usem o humor. Mas não valem fake news, como ambos gostam de promover para ganhar muito dinheiro e muito poder. Se se excederem, mirem-se no exemplo da Justiça brasileira contemporânea, que pode até errar num ou noutro veredicto, mas não deixa passar denúncias em branco. Elegias, sejam de bom ou mau humor, não podem ser toleradas em benefício do racismo, da homofobia, misoginia, pedofilia, aporofobia… a depender do caso, pode-se ignorar, ou excluir das listas, ou criticar… ou apelar para a Justiça.