Menos de um mês depois de ser devolvido ao mar, um peixe-boi-marinho reapareceu na costa de Alagoas — desta vez, com marcas ainda mais profundas do que as cicatrizes do passado. O animal, que havia sido resgatado e reabilitado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), foi encontrado nesta quinta-feira (22) nas águas do Pontal do Peba, com novos ferimentos causados por golpes de facão, inclusive no rosto.
O caso reacende uma antiga ferida no debate ambiental brasileiro: a dificuldade de garantir que animais silvestres, mesmo após cuidadosa reabilitação, possam sobreviver em um ambiente onde a ignorância, a violência e a curiosidade humana ainda predominam sobre o respeito à natureza.
De símbolo da recuperação à vítima recorrente
O peixe-boi-marinho, espécie ameaçada de extinção e símbolo de programas de conservação no Brasil, estava em processo de readaptação à vida selvagem. O retorno ao habitat natural, ocorrido em 30 de abril, foi comemorado por ambientalistas como uma vitória da ciência e da dedicação institucional. Poucas semanas depois, o reencontro com a costa revelou um desfecho amargo.
Imagens registradas nesta sexta-feira (23) mostram o animal nadando próximo a banhistas, em uma cena que à primeira vista parece um encontro mágico com a vida marinha. Mas para os especialistas, a aproximação revela um problema grave: a imprudência humana pode estar comprometendo o sucesso da reintrodução.
Molestamento da fauna e risco à integridade animal
Segundo a legislação ambiental alagoana, a interação direta com animais silvestres é considerada molestamento da fauna, uma infração que pode resultar em sanções. A curiosidade dos banhistas, mesmo quando motivada por empatia ou admiração, representa uma ameaça real à integridade física e emocional do animal.
“O peixe-boi ainda está em readaptação. Ele não deveria estar interagindo com humanos”, alerta um técnico do ICMBio ouvido pela reportagem. “Esse tipo de contato prejudica o processo natural de afastamento do convívio humano, fundamental para a sobrevivência da espécie.”
Cicatrizes visíveis, problemas invisíveis
O vídeo que circula nas redes sociais mostra com clareza o corte profundo no rostro do mamífero marinho, evidência de uma agressão que não apenas fere o corpo, mas também expõe a fragilidade das estratégias de conservação em áreas costeiras.
A recorrência desses casos indica que a violência contra a fauna não é apenas um ato isolado, mas um sintoma de um problema maior: a falta de educação ambiental e de fiscalização efetiva.
Entre o fascínio e a responsabilidade
O peixe-boi-marinho é uma espécie protegida por lei, e sua preservação depende diretamente da conscientização popular. Para especialistas, é preciso romper com a ideia de que a natureza é um “parque interativo”. A fauna selvagem não existe para entreter — ela exige distância, respeito e proteção.
O ICMBio reforça que, ao encontrar um animal como o peixe-boi, o mais importante é manter distância e acionar os órgãos ambientais imediatamente. A população precisa entender que, por trás de cada aparição encantadora, pode haver uma história de sofrimento — e que qualquer interferência humana, mesmo que bem-intencionada, pode custar caro.