NÃO ME LEMBRO direito da primeira foto de Sebastião Salgado que vi. Certamente terá sido uma da série feita por ele durante o atentado contra Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos, em 30 de março de 1981. Foram publicadas, sem moderação, mundo afora em todos os jornais e revistas. Mas a autoria ficou patente para mim em 1986, com as fotografias no garimpo de Serra Pelada. “Trabalhadores”, belíssimo álbum de fotografias, me foi o primeiro livro dele, adquirido na saudosa Livraria Caetés. No sétimo dia de sua despedida, vai aqui um modesto tributo de um admirador.
SÃO AS FOTOGRAFIAS de Sebastião Salgado, simultaneamente, obras de arte e manifestos eloquentes. Ele exerceu o ofício antigamente chamado de arte engajada. Imagens sempre muito belas, expressivas, impactantes. Obras que jamais foram panfletárias. Cada imagem capturada por ele consegue transmitir denúncias, expor belezas, provocar reflexões teimosas em não sair da cabeça de quem as olha. Quem é do contra, buscando defeitos, poderia redarguir: “Ah, qualquer foto, ‘tirada’ por qualquer pessoa, é capaz de provocar respostas semelhantes, depende de quem olha’’ – coisa discutível, mas indiscutível é o fato de que Sebastião Salgado conseguiu cativar e conquistar olhares, corações e mentes de milhões de pessoas em todo o planeta. Cada clic foi um gesto de talento e de coragem.
DISSE ELE: “Quando chegamos à França, Lélia e eu éramos maoístas, depois viramos marxistas-leninistas” – esta é uma das frases curtas, a única colhida de depoimento pessoal, selecionadas e publicadas pelo UOL, quando da morte do fotógrafo. É excelente resumo sobre o perfil de Sebastião Salgado, suas motivações e seus posicionamentos. Segue: “Nos anos 60, Salgado foi da Ação Popular e financiou a resistência à ditadura”; “Em 1969, fugiu da repressão da ditadura militar e se exilou na França”; “Em Paris, ele e a esposa buscavam o ‘livrinho vermelho’ na embaixada chinesa”; “Em 1974, mudou-se para Lisboa e testemunhou a Revolução dos Cravos”; “Em 1980, cobriu o cerco a Lula e ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC”; “Em 1998, fundou o Instituto Terra, com Lélia, restaurando a Mata Atlântica no Vale do Rio Doce”; “Desde 2001, era Embaixador da Boa Vontade da UNICEF”; “Seu olhar militante moldou séries como ‘Trabalhadores, Êxodos e Garimpo’”… Admirável! Em nove enunciados, conseguiu o UOL concentrar a narração de uma vida 81 anos de um artista pleno, um ativista convicto de suas ideias. Lógico que tem muito mais, e mais complexidades, mas essa é uma sinopse de primeira qualidade.
SEBASTIÃO SALGADO percorreu mais 120 países no exercício da fotografia, informa a Wikipédia, acrescentando: “Seu primeiro livro, Outras Américas, sobre os pobres na América Latina, foi publicado em 1986. Na sequência, publicou Sahel: O Homem em Pânico (também em 1986), resultado de uma longa colaboração de doze meses com a organização não-governamental Médicos sem Fronteiras, cobrindo a seca no Norte da África. Entre 1986 e 1992, ele concentrou-se na documentação do trabalho manual em todo o mundo, publicada e exibida sob o nome ‘Trabalhadores’, um feito monumental que confirmou sua reputação como foto documentarista de primeira linha. De 1993 a 1999, ele voltou sua atenção para o fenômeno global de desalojamento em massa de pessoas, que resultou em Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo, publicados em 2000 e aclamados internacionalmente. Na introdução de Êxodos, escreveu: ‘Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas’ (…)”.
VALEU, COMPANHEIRO SEBASTIÃO!