Cidade do Vaticano – Em um mundo marcado por desigualdades, crises migratórias, polarizações religiosas e políticas, a figura de um papa latino-americano no coração da Igreja Católica surpreendeu e rompeu padrões. Jorge Mario Bergoglio, o jesuíta argentino que escolheu o nome de Francisco, tornou-se uma das lideranças religiosas mais influentes e singulares da história recente da Igreja.
Eleito em 13 de março de 2013, Papa Francisco foi o primeiro pontífice das Américas, o primeiro jesuíta, e o primeiro papa a adotar o nome do santo de Assis – um gesto simbólico de compromisso com a humildade, a pobreza e a paz. Sua eleição marcou o fim de uma era europeia na liderança da Igreja e o início de um papado voltado para as periferias do mundo.
Raízes em Buenos Aires
Nascido em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio é filho de imigrantes italianos de classe média. Estudou química antes de entrar para o seminário, e mais tarde se juntou à Companhia de Jesus – a ordem dos jesuítas – conhecida por sua forte ênfase na educação, serviço social e intelectualidade.
Durante a ditadura militar argentina (1976–1983), Bergoglio teve um papel controverso. Enquanto alguns o acusaram de não ter protegido suficientemente os perseguidos pelo regime, outros destacam seus esforços discretos para salvar vidas. Essas ambiguidades tornaram-se alvo de críticas e também de reavaliações posteriores que ajudaram a moldar a imagem complexa de um homem profundamente marcado por sua experiência pastoral em meio à dor do povo.
O Papa do “Fora de Esquema”
Desde o início de seu papado, Francisco rompeu com tradições simbólicas. Recusou-se a morar nos luxuosos aposentos papais e optou pela Casa Santa Marta, um alojamento simples no Vaticano. Lavou os pés de prisioneiros, muçulmanos e mulheres em cerimônias da Semana Santa. Evitou a pompa e clamou por uma “Igreja pobre para os pobres”.
Sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), publicada em 2013, já anunciava uma virada: uma crítica contundente ao capitalismo selvagem, à idolatria do dinheiro e à indiferença global. Pedia uma Igreja missionária, descentralizada, menos burocrática e mais próxima do povo.
Pontífice da Justiça Social e do Meio Ambiente
Em 2015, com a encíclica Laudato Si’, Francisco deu um passo ousado ao colocar o meio ambiente no centro da doutrina social da Igreja. Uniu ciência e fé ao alertar sobre os perigos do aquecimento global, da exploração indiscriminada dos recursos naturais e das consequências da degradação ambiental sobre os mais pobres.
Mais tarde, com a Fratelli Tutti (2020), reforçou a necessidade de fraternidade global, solidariedade entre religiões e superação do populismo e do individualismo exacerbado. Tornou-se uma referência ética, respeitado inclusive por líderes não católicos, ativistas e cientistas.
Crises Internas e Reformas
O papado de Francisco também enfrentou desafios internos profundos. Escândalos de abuso sexual continuaram a abalar a Igreja, e embora o pontífice tenha tomado medidas mais duras do que seus predecessores, críticos dizem que ainda há muito a ser feito. Reformou as finanças do Vaticano, enfrentou resistência de setores conservadores e propôs maior descentralização da autoridade eclesiástica.
Em questões como a ordenação de mulheres, celibato sacerdotal e homossexualidade, Francisco adotou uma postura de escuta e diálogo, embora sem romper drasticamente com a doutrina. Seu famoso “Quem sou eu para julgar?”, ao se referir a homossexuais que buscam Deus, entrou para a história como um sinal de mudança de tom, ainda que não de doutrina formal.
O Legado de Francisco
Papa Francisco será lembrado como um pastor reformista, empático e corajoso, que buscou resgatar a essência evangélica da Igreja. Seu papado foi marcado pelo apelo constante à misericórdia, ao acolhimento e à justiça social. Para muitos, ele é um papa do povo. Para outros, um reformador limitado pelas estruturas centenárias da própria Igreja que lidera.
No entanto, seu impacto é inegável: Francisco reaproximou católicos afastados, abriu canais de diálogo inter-religioso, reposicionou a Igreja diante de temas globais urgentes e, sobretudo, tentou dar voz aos invisíveis do mundo.
Talvez, como o santo de Assis, tenha sonhado com uma Igreja despojada, alegre e próxima dos pobres. E, ao contrário de muitos de seus antecessores, não teve medo de se sujar com a poeira das estradas do mundo.