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Longe vão os tempos em que as aldeias fervilhavam de vida. As casas estavam cheias de gente que trabalhava nos campos, alegre, pois não conheciam outro modo de vida e os seus desejos de ambição resumiam-se às colheitas fartas que assim afastavam o espectro da fome. Mas havia fome, muita fome! Estou a falar de um tempo antigo, do qual ouvia histórias de sardinhas divididas por três. De côdeas de broa untadas com banha a servir de manteiga. De castanhas piladas cozidas quando as batatas já se haviam acabado e de refeições em que a malga ou bacia era só uma, já rachada e consertada com gatos nas costas e se colocava no meio da mesa (quando havia mesa e no caso de não haver, de roda do bordo da fogueira, ao borralho), onde a família comia em silêncio depois de dar graças ao divino por mais aquela refeição… O silêncio da refeição não se devia ao não terem que dizer, mas sim ao tempo que perderiam se ocupassem a boca com palavras em vez de mastigar o quinhão que lhes cabia. As batatas eram cozidas com a pele por via de não desperdiçar nada. A broa, muitas das vezes, mesmo dura, era o único conduto que havia.
As crianças pequenas (canalha, como lhes chamavam) eram deixadas na rua todo o dia, entregues a elas próprias e aos irmãos do meio, enquanto os pais e os irmãos mais velhos cuidavam do renovo e das colheitas nas fazendas onde estavam as quelhadas que possuíam. Algumas bem longe das casas do povo, sendo que seriam precisas uma ou duas horas de caminho, conforme a lonjura. Outros iam tratar de guardar as ovelhas na serra, enfrentando frio e lobos que nesses tempos por ali havia com fartura.
Certa vez, contava o meu pai, numa tarde em que a fome começava a apertar e sem lhes terem deixado nada a que deitar o dente, convenceu o Silvano, seu amigo de brincadeiras, a escalar a parede do velho casebre onde este morava, porque se sabia, estar pendurado na trave o cesto das sardinhas em salmoura, trazidas na véspera do mercado de Côja. Haveriam de durar quinze dias, não fossem eles lá pesca-las e tratarem de as assar nas brasas da fogueira.
Uma valente tareia foi tudo o que restou da aventura, para além da barriga cheia, é claro, que isso já ninguém lhes poderia tirar… E esta estória para contar aos filhos e aos netos, se bem que estes últimos tenham tido dificuldades em acreditar, visto que nada lhes falta e não conhecem as consequências da palavra miséria. Ou, se calhar e na verdade, nem a própria da palavra.