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Sem título
Após o banho de mar matinal na Praia da Avenida da Paz, um café reforçado da Dona Zeca, hora de pegar o bonde para o colégio. Apesar de uma parada perto, na esquina, defronte à belíssima mansão de Seu Paulo Tenório, menino cheio de vigor, eu preferia pegar o bonde andando ao passar em frente à minha casa.

Pulava, pés firmes no estribo, uma mão segurava o barrete vertical, viajava em pé, mesmo com vagas nos bancos, equilibrando uma pesada pasta de livros e cadernos na outra mão. O bonde paquidérmico andava lentamente, eu sentia, amava, a carícia do vento no rosto. O cobrador passava experto, uniforme desalinhado e inefável quepe, as notas de dinheiro arrumadas entre os dedos facilitando o troco aos passageiros, mandava sair do estribo e sentar nos bancos. Nós, meninos livres e teimosos, não obedecíamos.

O motorneiro (condutor) acelerava o bonde rangendo nos trilhos, tocando “Tim-Tim”. Tomava a Praça Sinimbu, Rua do Imperador, entrava por trás da Assembleia, subia a Rua do Comércio, finalmente chegava nosso destino, o majestoso e bonito casarão, Colégio Diocesano.

As sete da manhã, impreterivelmente, tocava o sino, os alunos entravam enfileirados na sala. Só depois de rezar três ave-marias e um padre-nosso, iniciava a primeira aula. Assistíamos às aulas pensando no intervalo, recreio de dez minutos, mal dava para tomar água, jogar ximbra, pião, trocar figurinhas. O sino batia novamente acabando a alegria fugaz, retorno à sala de aula.

O Colégio tinha um ensino bem organizado, todos os colegas daquele tempo ficaram bem encaminhados pelo excelente nível de educação. Adalberto Câmara e Marbem Loureiro disputavam o primeiro lugar. Outros também se distinguiam, Paschoal Savastano e Fernando Tourinho nas aulas práticas de oratória mostravam seus dotes brilhantes.

Fui aluno marista de 1948 a 1956, oito anos, um bom tempo de aprendizado. Devo parte da minha educação bem comportada, aos Irmãos Maristas, tínhamos aulas de civilidade e religião. A outra parte de educação escrachada, anárquica, devo à vida livre nas praias, praças, nas ruas de Maceió.

Nossa turma teve como “lente” (responsável) durante o curso Colegial o irmão Bráulio, grande liderança sobre professores e alunos. Incentivador do esporte, treinador de nossa classe, campeã alguns anos de futebol do Colégio. Jogador medíocre, às vezes, eu fazia parte do time que tinha como estrelas: Chalita, Galba Novaes, Joãozinho e Toquinho.

Irmãos Júlio, enfezado francês, velho ranzinza, professor de francês e matemática, reclamava e censurava nossa educação, insistia em nos comparar com a educação dos meninos franceses, seus conterrâneos. Era esnobe e bem crítico aos nossos costumes. Certo dia, no intervalo de aula, Nery Fireman, um tremendo gozador, hoje sério e recatado cidadão, escreveu no quadro-negro uma quadra que dizia mais ou menos assim: “Irmão Júlio, vai morrer buchudo, sem poder cuspir, com um pirulito na boca, sem poder engolir e com um filho na barriga, sem poder parir”. Quando o velho irmão entrou na sala de aula, leu os versos, soltou um grito, xingando-nos de mal educados, incivilizados, por aí afora. Teve um ataque, ficou vermelho que nem um pimentão, desmaiou na cadeira. Pensamos que havia morrido, um corre-corre, com tapinhas na bochecha, água no rosto, voltou ao normal.

Uma turma eclética em profissões escolhidas, médicos de renome: José Lima, maior cirurgião plástico de nossa geração. José Rocha, cardiologista, arribou para São Paulo. Roberto Jackson tratando das amígdalas dos conterrâneos. Uma turma democrática, desde filhos de industriais, Emilio Omena, usineiro, Oscar Cunha, dono do café Emecê, arquiteto Alberto Carnaúba, advogado Afrânio Lages, engenheiro agrônomo João Sampaio, tornou-se o maior prefeito da história de Maceió, como também filhos de pessoas humildes. Todos encaminhados na vida, apenas uma exceção quanto à sobrevivência financeira, Otávio, entretanto, foi um vencedor trabalhando pela cultura popular, carnavalesco, organizava blocos e desfiles nos carnavais de rua de Maceió, Deus o tenha. E nos tenha.