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Sheyla Marques criou o tijolo feito com cinzas da cana e tem levado casas para comunidades carentes

om uma ponta de tecnologia e um bocado de boa vontade, a educadora Sheyla Marques vem, aos poucos, mudando a realidade ao redor. Esse é, aliás, o principal objetivo da docente, que ensina no Instituto Federal de Alagoas (Ifal) em Palmeira dos Índios e Marechal Deodoro: por lá, ela pretende não só passar seu conhecimento adiante, mas principalmente transformar a comunidade – além de, claro, seus alunos.

Professora do curso de Engenharia Civil e do mestrado em Tecnologias Ambientais, Sheyla é a responsável pela criação de tijolos feitos a partir da cinza da cana-de-açúcar – subproduto das plantações que iria para o lixo não fosse a ideia dela. E é com ele que já vem construindo casas sustentáveis, e bem menos caras ao bolso, em municípios do interior alagoano. 

Projeto encabeçado pela professora tem levado moradias para famílias

O conceito surgiu quando ela própria fazia mestrado. Natural do Rio Grande do Norte, foi durante esse período que iniciou os trabalhos com resíduos da perfuração de poços de petróleo potiguares. Nascia aí a paixão pela reciclagem – e pela possibilidade de transformar insumos do tipo em novos materiais. Ao fazer o concurso do Ifal, precisava de um projeto de atuação. Começou a estudar Alagoas mais a fundo.

“Passei a pesquisar os resíduos de Alagoas e vi mais sobre a produção da cana. Para fechar o ciclo, o único resíduo que restava era a cinza, já que as usinas utilizam o bagaço para a geração de energia. Uma parte das cinzas também é usada na fertilização do solo, mas boa parte é descartada no meio ambiente”, conta a professora. Era o início do sonho.

Estudando sobre a substância, descobriu que ela pode proporcionar um aumento de resistência quando misturada ao cimento. “Daí veio a proposta do tijolo da cinza da cana. Nos anos iniciais em Palmeira trabalhei a Taísa Tenório e a Samantha Mendonça [estudantes] para ver a viabilidade. Comprovamos depois de quatro anos de pesquisa e alguns prêmios no País e fora dele. Ganhamos uma medalha de bronze nos Estados Unidos”.

Primeira casa com a tecnologia foi construída em Pariconha em 2017

No ano passado, em parceria com a americana Fundação Alcance, foi construída a primeira casa com o material, na cidade de Pariconha, interior de Alagoas. A economia é evidente: para uma moradia de 60 m² é preciso em média oito mil tijolos. Enquanto os convencionais, encontrados em lojas de construção, custariam R$ 3.120, os desenvolvidos por Sheyla e sua turma saem por R$ 400.

O objetivo é fornecer um lar digno para quem ainda hoje vive em casas de taipa. “Desde o início dessa busca queríamos levar isso para a comunidade. Não teria sentido ter a pesquisa se não fosse possível a aplicação com as comunidades carentes. Possibilitar essa transformação, levar essa tecnologia para a comunidade, sair dos muros da academia, é o que eu queria desde o início”.

Alunos e comunidades se entusiasmam com a ideia

Ideia tem levado nova vida para quem mora em casas de taipa

A onda que começou com a professora chegou aos alunos, hoje tão engajados quanto ela nessa missão. Depois da casa em Pariconha, onde as construções continuam, outro passo agora é levantar uma escola toda feita com os tijolos da cinza de cana-de-açúcar logo ali ao lado, em Inhapi. Os beneficiados nos dois locais são comunidades indígenas alagoanas.

“Há 15 dias estivemos em uma comunidade em Inhapi, onde existe a proposta de construir uma escola. A comunidade nos recebeu super bem. Vamos retornar para levar o projeto da escola pronto e ver o que eles acham. Os alunos estão muito motivados, principalmente por poderem colocar em prática o que aprendem e por ajudar aquelas pessoas”, ressalta Sheyla.

Ela conta que incentivar os estudantes tem sido tarefa fácil – para eles, é mais uma chance de aplicar o que aprenderam. A população envolvida também vem gostando de ser parte do projeto. Em Pariconha, a meta era produzir 1.800 tijolos a cada 15 dias, mas a primeira quinzena já mostrou o alcance da ideia, com a fabricação de seis mil deles, o suficiente pra levantar uma residência pequena. 

“Como trabalhamos com comunidades indígenas, inicialmente eles são mais tímidos. Vamos para a comunidade, ensinamos o processo, estabelecemos metas. Com o passar dos dias, porque vamos semanalmente visitar, eles vão se entrosando e ficam mais participativos. É muito gratificante poder ver como muda a realidade deles, dá uma perspectiva de vida diferente de morar numa casa de taipa, com condições precárias”.

Casca do sururu é o próximo tema de pesquisa e deve ser usada em piso

Quem acha que a educadora pretende parar por aí está bem enganado. Com os tijolos dando certo, ela pretende agora passar para a próxima etapa, o piso desses lares. E é outro produto alagoano que deve ajudar nisso: o sururu. Um dos estudos gira em torno da criação de um porcelanato líquido a partir da casca do molusco encontrado nas lagoas do Estado.

“A outra proposta é a de incorporá-lo na base de um piso, transformá-lo num pó para incorporá-lo na substituição do solo convencional. Visitamos a comunidade na Lagoa Mundaú, no Vergel, semana passada e estamos caracterizando o sururu para começar a fabricar. Daqui a pouco vamos construir a casa, fazer o piso, o telhado, tudo. A proposta é ter uma casa inteira com o que seria descartado”, aponta Sheyla.

Ela própria ainda se surpreende com o que tem alcançado. “Não imaginei que conseguisse chegar a resultados tão significativos, como o caso do tijolo, da placa para piso com borracha de pneu, apresentada na Grécia ano passado. É uma realização muito grande quando conseguimos resultados favoráveis, mas nada seria tão gratificante se não ultrapassasse a instituição, se não fosse colocado à disposição das pessoas”. 

Professora e alunos em visita a uma das comunidades atendidas

E a potiguar acrescenta: a missão do docente vai muito além da sala de aula. “É bem mais que isso, é transformação. Começa na transformação do aluno e vai para o entorno. Educação é isso. O que busco conseguir é não só ter essa troca de conhecimento, mas mudar a realidade da sociedade onde estou inserida. Não me sentiria completa se só entrasse em sala, desse minha aula e saísse”, diz. 

No Dia da Mulher, a professora que vem mudando realidades no interior de Alagoas dá um conselho para todas elas: jamais esquecer de sua força interior. “Diante de um cenário de tanta violência, tantos casos de abuso, feminicídio, o que posso passar para elas é que não se deixem sucumbir por essa sociedade machista. Todas somos capazes de ir muito além do que as pessoas acreditam”, destaca.

“A gente sabe que existe uma sociedade machista que nos estigmatiza, que tenta nos colocar em posições inferiores. Quero deixar bem claro que somos capazes de ir em busca dos nossos sonhos, dos nossos ideais e de realizar qualquer coisa. Não se deixem abater pelos obstáculos que aparecem, pois somos bem mais do que muita gente acredita. Podemos mudar o mundo ao nosso redor, desde que tenhamos determinação”. 

 

 Alunos diante de casa criada com tijolos de cinza de cana

Arquivo Pessoal
 
fonte gazetaweb